capítulo 04


Ele

Estávamos espremidos no canto. Ela transpirava tequila e perfume de hortelã. Suas bochechas estavam rosadas de suor. Bochechas que pareciam ser aquelas que já foram religiosamente apertadas por avós e tias. Eu queria morar naquelas bochechas. Vez em quando, ela virava e me olhava. Eu ficava sem jeito e contava algumas coisas engraçadas para disfarçar meu nervosismo e timidez. E ela me sorriu várias respostas positivas naquele desenrolar de um possível novo relacionamento.

 Existem mulheres que gostam de caras altos. Mulheres que gostam de caras baixos. Umas que preferem os loiros. Outras, os morenos. Tem umas que têm quedas por homens ricos. Outras que nem se importam com quanto o cara tem na carteira. Mas se tem algo em que todas as mulheres são iguais – tirando a TPM, é claro – é que todas gostam de caras que as façam sorrir. E acho que eu estava indo bem. Nada forçado. Tudo natural como era entre a gente.

 Quando ela sorria, era como entrar coma alcoólico. Era esquecer toda a minha vida antes de ver aqueles dentes meio amarelados de Gudang Garam, sabor canela. Ela fumava e jogava a fumaça em minha cara. Uma fumaça que parecia um portal para um novo mundo. Era como o cair de uma cortina em frente aos meus olhos. Eu entrei, é lógico. Deixando pra trás, o que eu fui, o que eu era, com quem estive etc. Eu só não sei se foi ela quem me puxou ou se fui eu quem pediu para ser puxado.


Já em seu mundo, ela me sorriu a noite inteira. E sorrisos aproximam as pessoas mais do que o frio no inverno. Ela sorriu e colocou a mão em meu ombro. Ela sorriu e passou – meio rápido, meio devagar – a mão em meu peito. Eu sorri e dei um passo à frente. Eu sorri e envolvi meus braços em tua cintura. E quando notei, as nossas bocas já estavam mais alinhadas do que o trópico de capricórnio. Teatro Mágico ao fundo fazendo a trilha sonora. E então foi só beijá-la e unir o meu país ao dela, a fim de, quem sabe, virarmos um continente paradisíaco.


O beijo é o primeiro sexo que se faz com alguém. É a primeira vez que invadimos o corpo do nosso par. É quando percebemos que o encaixe pode ser perfeito. E a nossa junção, ali, já nos gritou ter sido feito sob medida.

Falando agora, eu acho que consigo até lembrar o gosto.

Ela

Nosso primeiro beijo parecia o quinquagésimo sexto. As bocas sabiam exatamente para que lado ir. Os lábios se tocaram na mesma temperatura e umidade. Nossas línguas dançaram como pares perfeitos de um passo ensaiado há anos. Nossos corpos se encaixaram como peças perfeitas de um quebra-cabeça ou algo assim. Naquele instante, a gente já nem lembrava onde estávamos. Viajamos nas nuvens e nem percebemos. Suas mãos passeavam em meu corpo – ora em minha nuca, ora em minhas coxas. Esqueci completamente que havia outras pessoas ali.

Quando abrimos os olhos, sorrimos e nos beijamos novamente. Nosso beijo foi como uma conversa proveitosa. Dialogamos sobre passado, presente e futuro. Não era um beijo qualquer. Não era um homem qualquer. 

Ele

Ela puxava meu cabelo como quem soubesse que ali era meu ponto fraco. Passeava em minhas costas com a mão por dentro da minha camisa. Não sei o que falava mais: nossos beijos ou os olhares que os intercalavam. Só sei que em um instante, toda a multidão virou pó e as canções do Teatro Mágico eram leves ruídos que nós nem sabíamos de onde vinha.

Lembrar esse momento me causa raiva e conforto. Ainda não sei explicar.

Ele/Ela

Aquele dia, sem dúvida nenhuma, foi um dos melhores da minha vida.