capítulo 01


- Ele.

Sempre andei me escondendo do amor. Fugindo de encontros a dois, de olhinhos nipônicos e de canções dos Los Hermanos. Me escondia atrás deste rosto cansado, de LPs antigos e de meias pretas inseparáveis. Recolhia-me em mim, evitando aquelas festas alternativas, recheadas de meninas com Ray Ban de grau, saias longas e sorrisos largos. Para mim, estava bom ser acompanhado apenas por meus vinhos, meus livros, minhas chateações e meus bonecos decorativos. 

Eu não sabia que dia era aquele, mas estava em cartaz no cinema Les Emotifs Anonymes e nenhuma das minhas amigas cinéfilas estava disponível. Ir ao cinema com algum amigo homem é assinar um termo de homossexualidade e já estou muito velho para usar roupas rosas ou falar fino. Fui sozinho. Levo mais jeito para ser solitário do que ser gay. Então fui sozinho. O filme era bom. Ao meu redor, o amor se engrandecia com aqueles casais que se beijavam e pareciam gritar na minha cara como é bom amar. Mas, no fundo, não é assim, você sabe. Eu sei. Quer dizer, eu sabia.

O amor se engrandece em minha frente com aqueles casais que se beijam e parecem gritar na minha cara como é bom amar.
Deixei a sala escura sem dar a mão à ninguém. Sem perguntar: “Gostou do filme, amor?” ou sem ajeitar minha roupa após aventuras sexuais ao apagar das luzes do cinema. Estava ali. Só. Na velha sensação de poder fazer o que eu quisesse. E mudar de opinião quando eu quisesse também. Fui a um café aproveitar o máximo daquele momento. Pedi um chocolate quente com menta. Não estava frio e não havia ninguém para me avisar isso.



Sentei numa mesa afastada das outras. Não queria muita intromissão, nem olhares, nem qualquer coisa que parecesse um flerte. Mas, quando você se isola, acaba se destacando. Havia um lugar livre ao meu lado e ela chegou como quem foge de um filme dramático, daqueles que o cachorro morre no final. Olhos vermelhos de quem chorou demais e bochechas marcadas como quem dormiu de menos. Pediu um café forte. Se pudesse, seria um café forte, alto, com barba e peito confortável.

Ela usava um vestido listrado em marrom e azul. Um tênis sujo lhe cobria os pés. E, por mais que para qualquer personal stylist aquela roupa fosse despojada e casual, para mim ela estava com a combinação mais luxuosa do mundo. Sem maquiagens ou penteados extravagantes, ela tinha (e tem) seios fartos, um cintura volumosa e um par de coxas que almejam ser grossas. Eu não podia ver, mas eu queria morder aquelas coxas. Devia ter 1, 50 e poucos. Eu só tinha a certeza que ela cabia em meu colo. E não importa quantos quilos ela pesasse, eu já estava certo de que era capaz de carregá-la por onde eu fosse.

Teus olhos eram negros como teus cabelos. Tua boca era vermelha naturalmente. Em tuas orelhas, brincos de pena, daqueles que são vendidos por rastafaris pelas esquinas. Mãos finas e com esmaltes acabados. Punhos recheados de pulseiras estranhas e havia uma tatuagem em teu tornezelo. Estava escrito: “Amor por príncipio. Ética por base e plenitude por fim”, que circulava sua perna direita, logo acima da lingueta do tênis encardido.



Pedi-lhe o açúcar e ela me olhou querendo um abraço. Perguntei se estava tudo bem e, antes mesmo de ela responder qualquer grunhido, falei:

- É claro que não, né?
E sentei ao seu lado.

Éramos dois estranhos, mas tudo estava bem. A afinidade apareceu como borboletas intrusas e bem-vindas. Minhas besteiras. Tuas gargalhadas de canto de boca. Meus olhares românticos. Teus cabelos voando levemente. O som da Gadu. O cheiro de mirra. Confesso que achei engraçado e assustador, quando ela falava de coisas pessoais e eu percebia que, de repente, ela acabava falando de mim também em tuas frases.

Aí ela disse que precisava ir embora. Algo entre o tô-com-medo-de-me-apaixonar e talvez-você-não-seja-quem-eu-preciso-agora. Abaixou a cabeça e deixou o cabelo cair sobre o rosto. Tentava se esconder atrás das mechas negras. Estava com aquele receio de se entregar para alguém com sorriso torto, barba mal feita e tristes histórias sobre relacionamentos mal acabados.

Ela pediu mais um café, mais um trago, mais um cérebro e mais um coração. Disse algo entre estar cansada de depender dos outros e cheia de depender da pessoa errada. O café chegou mais quente ainda. Ela assoprava a caneca como uma criança experimentando mingau pelas bordas. Mas fumava como uma quarentona desesperada. E insistiu em ter que ir embora.

Então eu propus um novo encontro. Um café. Um filme francês. Um chocolate quente. Uma volta no parque. Uma tarde inteira ouvindo reggae. Ou uma noite inteira ouvindo jazz. Qualquer coisa que me fizesse ver aqueles olhos negros novamente.

“Você acredita em destino? Pois é, eu também não.” eu disse, e ela retrucou: “Eu te ligo.”“Mas você nem tem meu número...”, rebati.

E ela começou a gaguejar sobre estar se sentindo sozinha. Mas, por dentro, me analisava como quem está traindo alguém por gostar da minha companhia. Ela falou “tchau”. Eu disse: “tudo bem”. Deu dois passos, olhou para trás e perguntou meu nome. Falei o meu telefone. Ela anotou e sorriu.

prefácio


"Um sorriso de oito graus na escala Richter" é o início de forma textual para mim e o término de uma fase das minhas escritas. Meus contos acabam se confundindo com experiências pessoais que tive, então este folhetim é um apanhado dessas histórias – que falam sobre os mesmos personagens. Alguns destes parágrafos já foram publicados anteriormente. Outros tantos surgirão para dar contexto à história.

O livro tem vinte capítulos e quatro foram postados aqui. O resto, apenas no livro impresso, à venda em: http://migre.me/ds4sF

Esta é uma história de um cara que já havia transado, mas descobriu que era virgem e de uma mulher que já havia dito “Eu te amo” a alguém, mas descobriu que nunca havia amado.

Mas esta não é uma história sorridente.

 Qualquer coincidência com a vida real é mera semelhança.