- Ele.
Sempre andei me escondendo do amor. Fugindo de encontros a dois,
de olhinhos nipônicos e de canções dos Los Hermanos. Me escondia atrás deste
rosto cansado, de LPs antigos e de meias pretas inseparáveis. Recolhia-me em
mim, evitando aquelas festas alternativas, recheadas de meninas com Ray Ban de
grau, saias longas e sorrisos largos. Para mim, estava bom ser acompanhado
apenas por meus vinhos, meus livros, minhas chateações e meus bonecos
decorativos.
Eu não sabia que dia era aquele, mas estava em cartaz no
cinema Les Emotifs Anonymes e nenhuma das minhas amigas cinéfilas estava
disponível. Ir ao cinema com algum amigo homem é assinar um termo de
homossexualidade e já estou muito velho para usar roupas rosas ou falar fino.
Fui sozinho. Levo mais jeito para ser solitário do que ser gay. Então fui sozinho. O
filme era bom. Ao meu redor, o amor se engrandecia com aqueles casais que se
beijavam e pareciam gritar na minha cara como é bom amar. Mas, no fundo, não é
assim, você sabe. Eu sei. Quer dizer, eu sabia.
Deixei
a sala escura sem dar a mão à ninguém. Sem perguntar: “Gostou do filme, amor?”
ou sem ajeitar minha roupa após aventuras sexuais ao apagar das luzes do
cinema. Estava ali. Só. Na velha sensação de poder fazer o que eu quisesse. E
mudar de opinião quando eu quisesse também. Fui a um café aproveitar o máximo
daquele momento. Pedi um chocolate quente com menta. Não estava frio e não havia
ninguém para me avisar isso.
Sentei
numa mesa afastada das outras. Não queria muita intromissão, nem olhares, nem
qualquer coisa que parecesse um flerte. Mas, quando você se isola, acaba se
destacando. Havia um lugar livre ao meu lado e ela chegou como quem foge de um
filme dramático, daqueles que o cachorro morre no final. Olhos vermelhos de
quem chorou demais e bochechas marcadas como quem dormiu de menos. Pediu um
café forte. Se pudesse, seria um café forte, alto, com barba e peito confortável.
Ela
usava um vestido listrado em marrom e azul. Um tênis sujo lhe cobria os pés. E,
por mais que para qualquer personal stylist aquela roupa fosse despojada e
casual, para mim ela estava com a combinação mais luxuosa do mundo. Sem
maquiagens ou penteados extravagantes, ela tinha (e tem) seios fartos, um
cintura volumosa e um par de coxas que almejam ser grossas. Eu não podia ver,
mas eu queria morder aquelas coxas. Devia ter 1, 50 e poucos. Eu só tinha a
certeza que ela cabia em meu colo. E não importa quantos quilos ela pesasse, eu
já estava certo de que era capaz de carregá-la por onde eu fosse.
Teus
olhos eram negros como teus cabelos. Tua boca era vermelha naturalmente. Em
tuas orelhas, brincos de pena, daqueles que são vendidos por rastafaris pelas
esquinas. Mãos finas e com esmaltes acabados. Punhos recheados de pulseiras
estranhas e havia uma tatuagem em teu tornezelo. Estava escrito: “Amor por
príncipio. Ética por base e plenitude por fim”, que circulava sua perna
direita, logo acima da lingueta do tênis encardido.
Pedi-lhe o açúcar e ela me olhou querendo um abraço.
Perguntei se estava tudo bem e, antes mesmo de ela responder qualquer grunhido,
falei:
- É claro que não, né?
E sentei ao seu lado.
Éramos dois estranhos, mas tudo estava bem. A afinidade
apareceu como borboletas intrusas e bem-vindas. Minhas besteiras. Tuas
gargalhadas de canto de boca. Meus olhares românticos. Teus cabelos voando
levemente. O som da Gadu. O cheiro de mirra. Confesso que achei engraçado e
assustador, quando ela falava de coisas pessoais e eu percebia que, de repente, ela acabava falando de mim também em tuas frases.
Aí ela disse que precisava ir embora. Algo entre o
tô-com-medo-de-me-apaixonar e talvez-você-não-seja-quem-eu-preciso-agora. Abaixou
a cabeça e deixou o cabelo cair sobre o rosto. Tentava se esconder atrás das
mechas negras. Estava com aquele receio de se entregar para alguém com sorriso
torto, barba mal feita e tristes histórias sobre relacionamentos mal acabados.
Ela pediu mais um café, mais um trago, mais um cérebro e
mais um coração. Disse algo entre estar cansada de depender dos outros e cheia
de depender da pessoa errada. O café chegou mais quente ainda. Ela assoprava a
caneca como uma criança experimentando mingau pelas bordas. Mas fumava como uma
quarentona desesperada. E insistiu em ter que ir embora.
Então eu propus um novo encontro. Um café. Um filme francês.
Um chocolate quente. Uma volta no parque. Uma tarde inteira ouvindo reggae. Ou
uma noite inteira ouvindo jazz. Qualquer coisa que me fizesse ver aqueles
olhos negros novamente.
“Você acredita em destino? Pois é, eu também não.” eu disse,
e ela retrucou: “Eu te ligo.”“Mas você nem tem meu número...”, rebati.
E ela começou a gaguejar sobre estar se sentindo sozinha. Mas, por dentro, me analisava como quem está traindo alguém por gostar da minha companhia. Ela falou “tchau”. Eu disse: “tudo bem”. Deu dois passos, olhou para trás e perguntou meu nome. Falei o meu telefone. Ela anotou e sorriu.
E ela começou a gaguejar sobre estar se sentindo sozinha. Mas, por dentro, me analisava como quem está traindo alguém por gostar da minha companhia. Ela falou “tchau”. Eu disse: “tudo bem”. Deu dois passos, olhou para trás e perguntou meu nome. Falei o meu telefone. Ela anotou e sorriu.