Ela
Eu tinha acabado de terminar com meu namorado – naquele
momento, ex-namorado. Era dezembro, a cidade estava naquela falsa alegria
natalina e eu quis andar pelo shopping para me distrair um pouco. Veja, eu não sou
má, mas gostar de alguém é mais difícil do que fazer raiz composta de números
primos. Meu ex era uma pessoa incrível. Meu melhor amigo desde os meus 12 anos
e, sem dúvida nenhuma, a pessoa que mais me ama neste mundo – tirando a minha
cadela, que por mais que seja uma filha para mim, ainda não sabe dizer que me
ama.
Terminar com alguém que nos traiu, mentiu ou ciumento demais
é fácil. Difícil é pôr fim ao relacionamento com alguém que beira a perfeição. O
Sol, como eu costumo chamá-lo, é uma das pessoas mais incríveis que já conheci.
Mas meu coração já não batia tão forte quando ele chegava perto e, nesse
momento, vi que não tinha mais o que fazer.
Sentei numa cafeteria e me afastei da multidão para fugir de
desconhecidos. Mas, não sei como, ele estava ao meu lado. Parecia tentar fugir
do mundo como eu. E, você sabe, dois fugitivos sempre viram comparsas. Ele
sentou atrevidamente ao meu lado e, embora eu quisesse dizer não, ele não me
fez perguntas. Então fiquei sem respostas. Mulheres odeiam homens que perguntam
demais. Mulheres querem homens que nos dão motivos para aceitar suas questões.
E, nesse quesito, naquele momento, ele fez tudo tão certo que nem pode
imaginar.
A conversa fluía como ondas beijando a areia e tocando os
pés dos amantes. Ele tem olhos castanhos. Passei a gostar mais do castanho
naquele momento. Tem uma boca carnuda capaz de dar inveja em muitas mulheres.
Tuas falhas na barba me divertiam tanto quanto teus sarcasmos e ironia. Tudo
andava bem enquanto eu me deixava levar. Mas e o meu ex-namorado? Era errado
estar ali, falando sobre músicas secretas e planos futuros com alguém que nem
sei de onde veio.
Ele pouco me questionou sobre a razão do meu semblante
triste. E nem tocou no assunto sobre namorados ou afins. Falamos sobre
política, sobre filosofia, sobre Freud, Kant e quando eu vi já estávamos
cantarolando Los Hermanos como dois adolescentes fanáticos por “Último
Romance”. Naquele momento, eu quis abraçá-lo. Mas pedi outro café forte para
tentar acordar meu lado inseguro e pé atrás, figuras que me deixaram sozinha
com aquele rapaz estranho.
Ele não era lindo, daqueles caras capas de revista. Era
normal e, ao mesmo tempo, especial, sabe? Vestia uma blusa branca que realçava
a tua pele morena e uma calça jeans qualquer. Parecia não saber o que era pente
já que andava com o cabelo mais bagunçado do que minha gaveta de calcinhas.
Tinha tatuagens por todos os lados. E possuía olhos pedintes capazes de me
fazer dizer “sim” para qualquer coisa que ele quisesse.
Mas não era assim. Eu sou uma mulher confusa. Não consigo
tomar decisões assim, sem anos de estudo, sem ouvir diversas opiniões ou passar
noites inteiras refletindo sobre o tema. Não seria de uma hora para a outra que
aquele rapaz que nem sei o nome moraria em meu peito. Porém, em apenas duas
horas de conversa ele conseguiu me fazer ver mais paisagens bonitas do que meu
ex em nove anos de relacionamento.
Então, ele me acarinhou a orelha esquerda, ajeitando meu
cabelo. Falou algumas frases do Pessoa e disse que chora na parte em que o
casal se encontra de novo em Querido John, naquela cena do aeroporto onde a
Amanda Seyfried pula no colo do Channing Tatum. Aí eu pensei: “Como não me
apaixonar por ele?”. Assim como quando ele me perguntou: “Cê quer mais um
café?” com aquele jeito gasguito de dizer “cê” ao invés de “você” que fez meus
olhos brilharem mais do que o sol em dias de Janeiro.
Eu não sei o que mais gostei nele. Nem sei o que eu gostei
nele. Naquele primeiro encontro, ele poderia ter me falando tanta coisa
romântica e interessante, mas só disse frases engraçadas e irônicas, as quais
eu nem lembro direito. Mas não consigo esquecer as gargalhadas que dei.
Eu tinha um número de telefone. Não sabia seu nome. Mas tudo
em mim gritava por ele. Entre dúvidas do que era certo ou errado, fiz o que
quis. Liguei.